Não podíamos deixar de partilhar convosco o projeto "Sinfonia Muscular", candidato ao METAMORFOSES 2022, uma iniciativa de parceria entre o Plano Nacional de Leitura 2027, a Ciência Viva/ESERO Portugal e o Gabinete de Comunicação de Ciência da Fundação Champalimaud. Este projeto tem um trabalho de escrita - o conto Física Melódica e um trabalho de vídeo - que mostra as várias fases de execução do projeto.
Queremos congratular os alunos Rodrigo Fortuna, Lucas Sousa, Pedro Frazão, Nuno Dias, Afonso Ramos e Guilherme Moreira, do 12ºCTCSE e docentes Teresa Ramos e Cesaltina Neves, que coordenaram o projeto.
Que este trabalho continue a inspirar trabalhos futuros!
Física melódica
O relógio da torre da igreja de uma
pequena cidade toca. Soam as doze badaladas. Enquanto isso, Fátima, uma (ainda)
jovem de trinta e cinco anos, dá à luz o seu segundo filho. Desta vez um rapaz,
que sucede a Maria, a primeira filha do casal, já com os seus atribulados
catorze anos. Contudo, com uma pequena particularidade, o já apelidado Francisco nasce sem as suas duas mãos.
Trata-se de uma complicação de última hora, que assola, ainda que
momentaneamente, médicos e família presentes, que num silêncio ensurdecedor
consomem a sala do bloco operatório. É, de facto, algo que nada fazia prever e
que, evidentemente, toma conta dos murmúrios e conversas de corredor do
hospital.
Num gesto de profundo amor, Fátima recebe
com o entusiasmo natural o seu segundo filho, como se do primeiro se tratasse.
A sua reação personifica, de facto, o expoente máximo do amor que qualquer
pessoa pode imaginar. É o amor de mãe no seu estado mais puro e virginal.
Cerca
de quarenta e oito horas depois do parto, a família de músicos regressa a casa,
um lugar agora dissipado pela felicidade e alegria, fruto do nascimento de mais
um membro da família. Romeu, o pai, coloca a chave na fechadura e prontamente
todos se dirigem à sala de estar, onde a D. Isabel, avó da criança, já se havia
prontificado a acender a lareira, que com um calor aconchegante colmatava o
frio cruento que se fazia sentir no exterior. A família reúne-se à lareira.
Conversam sobre o facto de nada fazer prever a deficiência física que a criança
recém-nascida apresentava. Maria, a mais velha, senta-se ao piano e toca a sua
mais recente aprendizagem, Für Elise, de Ludwig van Beethoven. A sinfonia musical invade o ambiente (ainda
pesado) que se fazia sentir na habitação.
Cerca
de meia hora depois, a família senta-se à mesa para jantar, já com o mais
recente membro da mesma adormecido no berço do quarto dos pais. Fátima,
violinista, Romeu, percussionista, e Maria, a já multifacetada música da
família, com vasta experiência em cordas e percussão, ainda que com os seus 14
anos, conversam à refeição. O futuro legado da família toma conta do diálogo, o
qual Fátima prontamente interrompe e, num ato bastante convicto, afirma: Vai
ser pianista, não tenho qualquer dúvida!. Maria, na sua inocência, comenta:
“Mas mãe, como? O “mano nasceu sem dedos…”. De imediato, sem sequer permitir a
Fátima uma justificação, Romeu confessa: “Para jogar ténis de mesa, na teoria,
também precisas de mãos, e ainda assim há quem pratique a modalidade com essa
deficiência”.
Os ponteiros do relógio começam a chegar
perto da meia noite, e os pais certificam-se que tudo está bem com Francisco,
enquanto Maria escova os dentes, e logo se deita.
No
dia seguinte, Romeu deixa Maria na escola, enquanto Fátima fica em casa a
cuidar de Francisco.
Há
uma questão que perturba Maria, como nenhuma outra matéria da escola o é capaz
de fazer: Como será que o seu irmão mais novo conseguirá dar continuidade ao
legado musical da família?.
São
já nove da manhã, a filha mais velha do casal começa a sua aula de Física e
Química. A professora fala dos estímulos nervosos dos músculos, capazes de
desempenhar funções que outrora apenas os membros podiam desempenhar. Faz-se
luz na cabeça de Maria: poderá ser esta a solução para o pequeno irmão? Toda
uma inquietação consome o pensamento de Maria durante as restantes horas que
passa na escola.
No regresso a casa, a jovem desata a
correr pelas escadas acima e, num ápice, abre o tampo do seu computador
portátil e desata a pesquisar por artigos relacionados com o que havia dito a
professora durante a aula. Eis que um dos artigos lhe prende toda a atenção:
“Estímulos musculares: Os movimentos do futuro.” Com um sorriso de orelha a
orelha, desce ao andar de baixo e relata a sua descoberta à mãe que, com um
olhar cansado, lhe pede que lhe volte a explicar no dia seguinte.
São
já sete e meia da manhã em ponto do dia seguinte, e Maria corre com o seu
portátil na mão para junto de Fátima, que estranha todo aquele entusiasmo
matinal, nada típico da filha.
- Mãe,
mãe…Lembras-te de dizeres que o mano ia ser pianista? Acho que tinhas
razão!!
- Mas
filha… Eu sei que… Eu sei que disse isso, mas temos que ser realistas, é
muito difícil isso vir acontecer com todas as limitações do teu irmão…
A filha, desolada com as afirmações da
mãe, parte para mais um dia de aulas com um desassossego permanente, perante
tal discurso. É toda uma inquietação que aborrece o dia de Maria, por saber
que, nas condições atuais em que se encontra, pouco ou nada pode fazer para
ajudar o seu irmão mais novo, Francisco.
Maria chega à escola por volta das nove
horas, para a sua primeira aula do dia, que seria de Português. O facto de
estar pouco atenta à matéria que estava a ser lecionada, uma vez que não parava
de pensar no seu irmão, despertou uma certa atenção na professora que, no fim
da aula, lhe pediu que permanecesse na sala. Questionou-a então acerca da sua
falta de concentração, pouco habitual até à data. Nisto, a jovem desabafou
acerca do assunto que a inquietava nos últimos tempos. Maria começou por explicar
a deficiência física do seu irmão mais novo, Francisco, que desde novo deixou
claro que seria a continuação do legado musical da família.
- Sempre
foi aquilo que o acalmou. O piano, as sinfonias de Beethoven, Mozart, etc.
Nunca vi uma criança tão nova e com tanto amor pela música como o vejo a
ele. - afirmava Maria, com toda a convicção.
- É de
facto extraordinária toda essa envolvência do seu irmão no mundo da música
- reiterava a professora, num tom triste - Mas ao mesmo tempo, e com muita
tristeza minha, o que ele necessita para dar continuidade a todo esse
legado musical da sua família, ultrapassa a minha área de atuação.
- Mas…
Professora… Não conhece alguém que me possa ajudar? Pode ser um contributo
mínimo! Só quero mesmo que o meu irmão seja feliz, independentemente da
doença que o afetou à nascença. Sabe, tal como dizia a professora de
Física e Química numa das suas últimas aulas, não nos devemos reger apenas
por aquilo que temos à nossa disposição, devemos sim pensar “fora da
caixa”, seguir os nossos sonhos, independentemente dos obstáculos que
surjam à nossa frente…
- Eu
compreendo Maria. Aliás, ainda bem que falaste na professora Celestina!
Acho que ela poderia ser um excelente auxílio para conseguires ajudar o
teu irmão. No Clube de Física, costumam desenvolver-se projetos para
concursos e até mesmo para eventos de caridade. Talvez um deles pudesse
ser útil.
- Excelente
ideia professora, vou falar com a professora Celestina.
Maria
saía então da sala, animada com a ideia que lhe sugeriu a professora de Português.
Encantada com o conselho, desce então a escadaria em direção à receção da
escola. Num pequeno quadro de cortiça, estava então afixado o horário de
funcionamento do Clube de Física.
Estava então na hora de regressar a casa,
hoje com um ânimo diferente, com toda uma alegria que culminava num sorriso de
orelha a orelha ao colocar a chave na fechadura da porta de casa.
Ao
entrar, a avó, Isabel, cuidava de Francisco, embalando-o ao som da Sonata nº 16
para piano em dó maior, de Wolfgang Mozart. A felicidade melódica inundava o
ambiente. A pouca esperança de Maria em conseguir ajudar o seu irmão,
transformara-se agora na expectativa de desenvolver um projeto que, além de
ajudar o seu irmão mais novo, traria todo um mérito para o estabelecimento de
ensino que frequentava.
- É o melhor de dois mundos - cogitava a jovem, deitada na sua cama, a
olhar para o teto com um sorriso contagiante.
No dia seguinte, Maria acordou mais cedo que o
costume, para espanto dos seus pais. Num ápice, tomou banho, vestiu-se, tomou o
pequeno almoço, lavou os dentes e correu para a escola, como se tivesse um
compromisso importante ao qual não podia chegar atrasada. De facto não tinha,
mas era o dia em que poderia começar a resolver o problema que tanto a
incomodava.
Após
as aulas da manhã, almoçou e prontamente se dirigiu para o laboratório de
física, onde a professora da disciplina já aguardava pelos alunos, para dar
início às atividades do Clube de Física. Maria foi a primeira, e prontamente se
dirigiu em direção à professora:
- Professora, professora! - exclamava, ainda ofegante.
- Relaxa Maria! A que se deve tanto entusiasmo? - dizia a professora,
interrompendo-a.
- É que estive a falar com a professora de português, que me disse que
os projetos que desenvolve no Clube de Física poderiam ser úteis para
resolver o problema do meu irmão mais novo.
- E que problemas são esses que tanto te esgotam? - interrogava a
professora, em tom de curiosidade.
- Então… Desde sempre que a minha família foi muito ligada à música.
Sempre crescemos ao som das mais belas melodias do piano, brincávamos com
instrumentos musicais, e riamos ao som da música. Mas há um tempo, o meu
irmão nasceu com uma deficiência física, que o impede de tocar piano, mas
li uma notícia que me deu ânimo para tentar ajudá-lo. - afirmava,
convicta.
- Fala-me mais acerca dessa notícia… Como é que pode ser efetivamente
útil? - questionava a professora.
- Bem, a notícia falava acerca de impulsos elétricos gerados pelos nossos músculos, então pensei
que talvez pudessem substituir o toque nas teclas do piano, e assim o meu
irmão conseguiria tocar.
- É de
facto uma ótima ideia, a uma certa tensão estaria associada uma
determinada nota musical, e através de sensores poderíamos pôr em prática
essa ideia. Além disso, é um excelente projeto para levar ao Concurso
Nacional de Física.
Terminando a conversa animadora,
prontamente Maria e a professora começaram a pôr em prática as ideias que
haviam surgido. A docente tratou de juntar todo o material, e a aluna de fazer
o esboço de um protótipo biónico capaz de dar conta das necessidades
envolvidas. Uma longa tarde se avizinhava, uma vez que o concurso estava mesmo
à porta. Após longas horas trancadas no gabinete de física, do auxílio do professor
de programação da escola, e de inúmeras falhas ao imprimir o objeto a três
dimensões, finalmente estava concluído o protótipo do objeto.
Faltavam
agora dois dias para o Concurso Nacional de Física. Maria não conseguia parar
de pensar na felicidade do seu irmão ao dar conta de que finalmente conseguiria
tocar piano, mesmo que tenha nascido sem os dedos das suas mãos.
Na
manhã do tão esperado dia, Maria juntou-se com a professora de Física e Química
e com o docente da área da programação, no gabinete onde haviam passado todo o
tempo a desenvolver o objeto com o qual iriam concorrer na prova. O ambiente
era tenso, os três ansiavam pelo melhor. Todos queriam que o objeto funcionasse
tal como planeado, sem qualquer tipo de falhas, para que essa noite se transformasse
na melhor das suas vidas. Testaram o funcionamento, a parte programável e os
sensores musculares. Tudo funcionou em perfeita sintonia, para deleite dos
três. Maria regressara então às aulas que lhe restavam do dia que se avizinhava
longo.
Eram
agora seis em ponto, e o auditório da pequena vila onde residiam acolhia
orgulhosamente o Concurso Nacional de Física. A jovem, acompanhada da sua
família e, em especial, do seu irmão, sentou-se na primeira fila a contar do
palco. De mão dada com as professoras que a ajudaram incansavelmente, aguardava
que fosse chamada para apresentar o seu projeto ao júri.
- E peço
agora um grande aplauso para… Maria!!! - entoava o speaker do
evento pelas colunas do auditório.
Maria subia então ao palco, com um nervosismo
característico de uma cerimónia de tal magnitude. Após um suspiro profundo,
começou a sua apresentação, sobre o olhar atento dos jurados. Maria chama então
seu irmão ao palco, ao mesmo tempo que os funcionários do espaço colocam um
piano de cauda, imponente, em palco. Era a cartada de ouro de Maria para vencer
o concurso. Era o momento chave, aquele que traria a felicidade ao seu irmão,
aquele que seria a recompensa de todo o esforço dos últimos meses. O pequeno,
desde sempre educado a nível da música, coloca o objeto biónico. No mesmo
instante, desata a tocar a sua composição favorita, Für Elise, de Beethoven. Todos na sala
se levantam, e aplaudem o feito magnífico de Maria, que conseguiu fazer com que
o seu irmão tocasse piano, nas suas circunstâncias. A sala estremece com os
aplausos e os jurados ficam encantados com a prestação da dupla de
irmãos.
Alguns minutos depois, a escola de Maria
é anunciada como a grande vencedora do concurso, arrecadando o primeiro prémio
no valor de quinze mil euros em computadores para o estabelecimento de
ensino.
Contudo, para Maria, a maior vitória era
a que surgia bem patente no rosto de Francisco. O sorriso inundado pelas
lágrimas de felicidade eram o espelho de todo o esforço da jovem para dar uma
nova vida ao seu irmão.
Assim, Maria encerrou a celebração com
um discurso comovente:
- O que assistiram hoje, aqui, é a prova viva de que, tal como dizia
António Gedeão, o sonho comanda a vida!
Texto produzido pelos alunos Afonso Ramos, Guilherme Moreira, Lucas Sousa, Nuno Dias, Pedro Frazão e Rodrigo Fortuna, alunos da Escola Secundária c/ 3ºciclo do Fundão, código 504074, para o projeto Sinfonia Muscular candidato ao METAMORFOSES 2022, uma iniciativa da parceria entre o Plano Nacional de Leitura 2017-2027 (PNL2027), a Ciência Viva/ ESERO Portugal e o Gabinete de Comunicação de Ciência da Fundação Champalimaud.
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