segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Entrevista a Luísa Ducla Soares, pelo 5ºA

Luísa Ducla Soares, considerada uma das escritoras de renome na literatura portuguesa infantil, nasceu em Lisboa, em 1939. Tem mais de uma centena de livros publicados, destacando-se prosa e poesia para crianças. Licenciou-se em Filologia Germânica. Foi tradutora, consultora literária, jornalista e colaborou em vários jornais e revistas. Em 1970 lançou o seu primeiro livro, intitulado Contrato. Em 1972 publicou o primeiro livro para crianças, intitulado A História da Papoila. Em 1984 ganhou o Prémio Calouste Gulbenkian, em 1996 ganhou o Grande Prémio Calouste Gulbenkian e, em 1996, foi selecionada como candidata portuguesa ao Prémio Hans Christian Andersen.

A autora aceitou gentilmente o convite da Biblioteca Escolar do Agrupamento de Escolas do Fundão, para responder a algumas perguntas colocadas pelo 5º A, sob orientação da docente Noémia Carrola.

                                 [imagem de http://palavrasentressonhadas.blogspot.com/2008/06/biografia-de-lusa-ducla-soares.html]

De onde nasceu a paixão pelos livros?

Comecei a gostar de livros muito antes de saber ler. Tinha então alguns álbuns ilustrados que me encantavam e que a minha mãe era obrigada a ler-me. Como não tinha grande paciência, passava às vezes  alguns parágrafos para se despachar mas eu sabia os livros de cor e obrigava a pobre a voltar atrás.

Mal aprendi a ler, fui devorando tudo o que apanhava, que não era muito pois as crianças então poucas ofertas tinham. Praticamente só as recebiam no dia dos anos e no Natal.

As escolas onde andei não possuíam bibliotecas nem havia bibliotecas municipais perto de minha casa, pelo que só podia trocar livros com algumas amigas. A livraria mais próxima ficava a vários quilómetros de distância.

Quando cheguei à vossa idade , o meu tio mais novo resolveu desfazer-se de muitos exemplares que lhe enchiam a estante . E perguntou-me  se eu os queria. Foi para mim a sorte grande !   Do que mais gostei foi da coleção completa dos livros de Júlio Verne, de aventura e ficção científica. 

Com que idade escreveu o seu primeiro livro? Qual foi?

Eu escrevi o primeiro livro aos 10-11 anos, mas não o publiquei, era manuscrito. Os meus pais ofereceram-me um lindo exemplar em branco, encadernado, com letras douradas  onde figurava o título: OS MEUS VERSOS. Mas, em vez de mandarem imprimir o nome da autora como Luísa Ducla Soares, o que apareceu foi LUISINHA. Calculem a vergonha que isso significava para uma autora! Não o mostrei a ninguém.

Depois puliquei muita coisa em revistas. Só editei um livro de versos em 1970, aos 30 anos. Chamava-se “Contrato”.

Quando era  pequenina, já queria ser escritora?

A primeira profissão que eu quis ter foi artista de circo! Gostava de ser domadora de animais e fazer espetáculos com eles, principalmente com leões. Mas os meus pais apenas me ofereceram um casal de ratinhos brancos com olhos encarnados. Eram bem inteligentes e treinei-os para equilibristas e trapezistas. Mas, como eram tão pequenos, mal se viam ao longe. Então, aos 10 anos, mudei de ideias e resolvi ser escritora, ou seja, domadora de palavras.

Qual foi a sua primeira inspiração para começar a escrever?

A minha primeira inspiração foram os livros que lia e até o  livro de leitura de Português. No princípio do ano, ia logo folhear o manual, à procura de textos interessantes. O meu pai sabia de cor muita poesia tradicional e de autores clássicos que gostava de recitar e eu encantava-me com ela a ponto de saber também várias poesias de cor, muitas das quais não eram para crianças mas para todas as idades. Ainda as recordo.

O que a torna feliz quando escreve um livro?

Há livros que escrevo por gosto, por interesse próprio, outros que me encomendam. Essas encomendas  nem sempre vão ao encontro do que mais me interessa. Calculem que tenho de escrever para manuais escolares sobre letras, números, substantivos, verbos, casos gramaticais. formas e sólidos geométricos quando me apetecia escrever sobre uma viagem interplanetária, sobre a vida dos jovens, sobre  animais selvagens… Mas compreendo que é necessário também abordar temas mais aborrecidos  com uma finalidade  didática.

O que mais me faz feliz quando escrevo  é ser livre. Escrever o que me apetece quando me apetece. É poder aproveitar os momentos de maior inspiração e não ser interrompida. Posso não ligar a almoço, jantar, posso nem me deitar se vou atrás de uma inspiração. É uma espécie de aventura da imaginação. 

Se não fosse escritora, que outra profissão gostaria de ter exercido?

Toda a vida trabalhei em várias profissões além de ser escritora. Quando ainda era estudante dava explicações de inglês e fazia traduções. Fui consultora de editoras, jornalista, diretora de uma revista, trabalhei no Ministério da Educação e,  ao longo de trinta anos, estive na Biblioteca Nacional, a maior de Portugal. Tem mais de 3 milhões de livros ! 

Nunca parei !

Para além de escrever, com  que outras atividades gosta de ocupar o seu tempo livre?

Gosto de passear, de ler, de conversar, especialmente com crianças e jovens. Gosto de música. Gosto imenso de animais e já tive 72.

Claro que também gosto de me encontrar com os meus queridos leitores nas escolas mas agora encontro-me com eles por zoom. É bom que os computadores nos ajudem a superar um pouco  o confinamento em que estamos todos a viver. Faço muitas  sessões com um músico dessa forma.  Há dias em que estamos com 2.000 crianças e jovens ao mesmo tempo.

Quem lhe deu mais apoio, em termos de escrita, ao longo da sua vida?

Foi, sem dúvida, a minha professora de português, quando eu estava justamente no vosso ano. Nós, quando somos novos, não temos por vezes consciência da importância de certos professores na nossa vida. Ela fazia de cada aula uma festa e ensinou-me a amar a língua portuguesa, a considerá-la realmente a minha Pátria, como diria Fernando Pessoa. Nunca cheguei a agradecer-lhe o que fez por mim. Mudei de escola, perdi o contacto dela… Morreu sem saber o papel que desempenhou na minha existência. Tive apenas oportunidade de lhe prestar uma homenagem  em Torres Vedras, quando a casa onde nasceu foi transformada em pequeno centro cultural.

Quando era solteira só o meu pai me apoiava. E, depois de casada ,o meu marido, que apreciava a minha atividade de escritora de livros para adultos, muito me criticava por eu ter optado por escrever para crianças. Achava que eu andava a esbanjar talento.

Já se emocionou muito ao escrever algum livro?

Já. Escrevi um livro dedicado a um filho meu que morreu em criança e , ao escrevê-lo, revivi  recordações muito dolorosas.

Emocionei-me ao escrever uma biografia do meu pai, ao abordar  temas referentes à guerra, à pobreza, ao bullying, à tortura, por exemplo. 

De toda a sua obra, qual é o seu livro favorito?

Não tenho propriamente um livro favorito, pois uns são em verso, outros em prosa, uns dirigem-se a crianças muito pequenas, outros a adolescentes. Hoje em dia, acho que os livros são uma espécie de filhos dos escritores, gostamos de todos, verificando no entanto as virtudes e defeitos de cada um.

Dos livros que já leu, há algum de que goste especialmente?

Como vocês calculam, já li milhares de livros . Li muitos para adultos, muitos para jovens e muitos para crianças. A minha biblioteca tinha tantos livros que ofereci 70.000 à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas onde o meu marido era professor. Mais livros do que os que havia nessa biblioteca que ficou com o nome dele.

Quando eu tinha a vossa idade marcou-me muito uma coleção juvenil de biografias de pessoas célebres: cientistas, escritores, viajantes de um autor hoje esquecido, Adolfo Simões Muller. Mas interessavam-me mais ainda os livros de Júlio Verne,  com as suas incríveis aventuras de antecipação do futuro: sobre  a ida à Lua, a viagem ao centro da Terra, a volta ao mundo em 80 dias , vinte mil léguas submarinas. Quase tudo o que ele imaginou se tornou realidade nos nossos dias.

Mas os poetas marcaram-me muito, principalmente Cesário Verde, Fernando Pessoa, António Gedeão.

Qual é o nome dos seus filhos? Inspirou-se nas personagens da sua obra para escolher os nomes deles? Os seus filhos deram origem a personagens dos seus livros?

O meu filho mais velho chama-se Pedro.

O 2º chamava-se Francisco Miguel, mas morreu com cinco anos.

A minha filha chama-se Helena.

Também tenho 4 netos com os seguintes nomes: Miguel, Mafalda, Afonso, Leonor.

Nunca me inspirei em personagens da minha obra para lhes escolher os  nomes. O contrário é que aconteceu. Tenho posto o nome deles a várias personagens

Algum dos seus livros  é baseado em factos reais?

Vários dos meus livros são baseados em factos reais. Alguns são até sobre figuras conhecidas como Eça de Queirós, Fernão de Magalhães, Garcia de Orta, Teixeira de Pascoais. Tenho um sobre a vida do meu pai ( “ Um menino chamado Armando “ )  Mas vários se basearam nos meus filhos, nos seus gostos, marotices, experiências.

Também muitos se basearam em encontros que tive nas escolas com certas crianças e jovens como “ O rapaz e o robô “, “ O rapaz que tinha zero a matemática “, muitos poemas como “ A menina Feia “, “ O alfabeto maluco".

Onde gostaria de viver se não vivesse em Portugal?

Francamente, hoje em dia, não gostaria de viver em qualquer outro país. Visitei vários, apreciei-os, mas não gostaria de viver noutro local apesar de reconhecer que muitos têm belíssimas paisagens, tesouros artísticos, educação avançada, excelentes recursos económicos.

(Quando era mais nova  talvez me agradasse viver em Inglaterra  embora o clima  aí não seja  propriamente agradável).

A turma do 5ºA (orientação da docente Noémia Carrola)

Qualquer dia, propomos uma sessão online com esta escritora fantástica! Claro está, com a turma que elaborou a entrevista!

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