quinta-feira, 25 de abril de 2024

Revolução, Sophia de Mello Breyner Andresen


Revolução

Como casa limpa

Como chão varrido

Como porta aberta

Como puro início

Como tempo novo

Sem mancha nem vício

Como a voz do mar

Interior de um povo

Como página em branco

Onde o poema emerge

Como arquitectura

Do homem que ergue

Sua habitação

27 de Abril de 1974


         Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas, 1977

Liberdade, Fernando Pessoa


Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa.

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca…

Fernando Pessoa

O que é, para nós, a Liberdade?...

...foi a questão à qual os alunos do 8.ºC responderam, num texto escrito a várias mãos, e que aqui deixamos, em formato áudio, desejando a todos os nossos utilizadores um feliz Dia da Liberdade.

A cor da Liberdade, Jorge de Sena

 

A Cor da liberdade

Não hei-de morrer sem saber

qual a cor da liberdade.


Eu não posso senão ser

desta terra em que nasci.

Embora ao mundo pertença

e sempre a verdade vença,

qual será ser livre aqui,

não hei-de morrer sem saber.


Trocaram tudo em maldade,

é quase um crime viver.

Mas, embora escondam tudo

e me queiram cego e mudo,

não hei-de morrer sem saber

qual a cor da liberdade.


Jorge de Sena

(1919-1978)

Mulheres do meu país, Maria Teresa Horta


Mulheres do meu País


Deu-nos Abril
o gesto e a palavra

fala de nós
por dentro da raiz

Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo: igualdade
a quem ouvir nos quis

Assim continuamos
de mãos dadas

O povo somos:
Mulheres do meu país

Maria Teresa Horta, in: Mulheres de Abril -1977-

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Leituras Censuradas até hoje!

São as leituras censuradas até ao dia 24 de abril de 1974 que os nossos alunos recolheram e agora surgem no podcast «Leituras Censuradas». Este é um podcast da Biblioteca do Agrupamento de Escolas do Fundão que, até hoje, reúne 8 notícias censuradas pela PIDE, em 1966. Este é um trabalho realizado pelos alunos e coordenado pela professora Andreia Sousa, no âmbito da Educação para a Cidadania, que podem ouvir aqui:

 

Ressurgiremos, Sophia de Mello Breyner Andresen


RESSURGIREMOS

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos

E em Delphos centro do mundo

Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta


Ressurgiremos ali onde as palavras

São o nome das coisas

E onde são claros e vivos contornos

Na aguda luz de Creta


Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo

São o reino do homem

Ressurgiremos para olhar para a terra de frente

Na luz limpa de Creta


Pois convém tornar claro o coração do homem

E erguer a negra exatidão da cruz

Na luz branca de Creta.


Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto, 1962

Urgentemente, Eugénio de Andrade


URGENTEMENTE

É urgente o amor

É urgente um barco no mar


É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos, muitas espadas.


É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.


Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.


Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas, 1951

EB1 de Valverde: 50 de anos de Abril

Também os alunos da EB1 de Valverde participaram nas comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril. A leitura de poemas foi recolhida pela professora Ana Baptista, responsável pela Biblioteca Escolar daquela Escola. Ficamos sensibilizados a ouvir as vozes dos mais pequenos a "cantarem" Abril, já disponíveis no Spotify daquela Biblioteca.

Data, Sophia de Mello Breyner Andresen


 Data

Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação


Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão


Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo da ameaça


Sophia de Mello Breyner Andresen, LIVRO SEXTO, 1.ª ed., 1962

Ode à Paz, Natália Correia

 

Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,

Pelas aves que voam no olhar de uma criança,

Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,

Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,


Pela branda melodia do rumor dos regatos,


Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,

Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,

Pela exatidão das rosas, pela Sabedoria,

Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,

Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,

Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,

Pelos aromas maduros de suaves outonos,

Pela futura manhã dos grandes transparentes,

Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,

Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas

Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,

Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,

Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.

Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,

Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,

Abre as portas da História,

deixa passar a Vida!


Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"

terça-feira, 23 de abril de 2024

Feliz Dia do Livro com o TAS 22

Ler abre horizontes, apresenta-nos outros pontos de vista, ensina-nos e também nos orienta enquanto cidadãos. 

Nesta ótica, os alunos e alunas do TAS 22 (Curso Profissional Técnico Auxiliar de Saúde) estão a ler Misericórdia, de Lídia Jorge, um livro que tem merecido um grande destaque por parte dos críticos literários (e não só) e que ganhou os prémios: Prémio Fernando Namora; Grande Prémio de Romance e Novela/2022 da Associação Portuguesa de Escritores (APE), Prémio Literário Urbano Tavares RodriguesPrémio PEN Clube Português, Prémio Eduardo LourençoPrémio Médicis Étranger, em França, Melhor Livro Lusófono publicado em Françaatribuído pela redação da revista literária Transfuge, prometendo arrecadar mais prémios, visto estar entre os finalistas nomeados para outros prémios.

O livro foi trabalhado no âmbito da disciplina de HSCG (Higiene, Segurança e Cuidados Gerais), uma forma diferente e inovadora para abordar as temáticas: Cuidados na Saúde do Idoso e Cuidados da Saúde em Fim de Vida. Tem sido uma experiência diferente e as reações dos jovens, à medida que vão lendo, vale bem a escolha efetuada pela docente Gabriela Cruz.



Leiam muito ou pouco, mas leiam! 

Trova do vento que passa, Manuel Alegre

 

Trova do vento que passa


Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.


Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.


Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém diz.


Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que morro por meu país.


Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio -- é tudo o que tem

quem vive na servidão.


Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.


E o vento não me diz nada


ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.


Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.


Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)

vi minha pátria florir

(verdes folhas verdes mágoas).


Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.


E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi minha pátria parada

à beira de um rio triste.


Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.


E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento


e o vento nada me diz.


Quatro folhas tem o trevo

liberdade quatro sílabas.

Não sabem ler é verdade

aqueles pra quem eu escrevo.


Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.


Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não.


Manuel Alegre e António Portugal, 1963

Cântico, Miguel Torga


Cântico

Mundo à nossa medida

Redondo como os olhos,

E como eles, também,

A receber de fora

A luz e a sombra, consoante a hora


Mundo apenas pretexto

Doutros mundos.

Base de onde levanta

A inquietação,

Cansada da uniforme rotação

Do dia a dia.

Mundo que a fantasia

Desfigura

A vê-lo cada vez de mais altura.


Mundo do mesmo barro

De que somos feitos.

Carne da nossa carne

Apodrecida.

Mundo que o tempo gasta e arrefece,

Mas o único jardim que se conhece

Onde floresce a vida.


Poesia Completa de Miguel Torga, 2000

Letra para um hino, Manuel Alegre


 Letra para um hino


É possível falar sem um nó na garganta

é possível amar sem que venham proibir

é possível correr sem que seja fugir.

Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.


É possível andar sem olhar para o chão

é possível viver sem que seja de rastos.

Os teus olhos nasceram para olhar os astros

se te apetece dizer não grita comigo: não.


É possível viver de outro modo. É

possível transformares em arma a tua mão.

É possível o amor. É possível o pão.

É possível viver de pé.


Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.

É possível viver sem fingir que se vive.

É possível ser homem.

É possível ser livre livre livre.


Manuel Alegre- em “O Canto e as Armas” (1967)

Revolução, Sophia de Mello Breyner Andresen

Revolução Como casa limpa Como chão varrido Como porta aberta Como puro início Como tempo novo Sem mancha nem vício Como a voz do mar Interi...