O pintor debaixo do lava-louças, escrito
por Afonso Cruz, que já esteve na nossa escola, é a história de Jozef Sors, nascido em 1895,
numa mansão onde o seu pai era mordomo e a sua mãe engomadeira e passa-se
durante o império austro-húngaro.
O proprietário da casa é Moller, um coronel
do exército, que também tem um filho da mesma idade que Josef Sors, e logo
decide contratar um preceptor para cuidar da educação dos garotos, sem
distinção. No entanto, ao contrário do esperado, os rapazes não se tornam
amigos: Wilhelm, filho do patrão, é um leitor compulsivo, que considera que
"a última página de um livro é a primeira do próximo"; Jozef torna-se
um pintor compulsivo e delirante que não faz outra coisa senão desenhar por
todos os lados, seja em papéis, paredes, terra ou até em pensamentos. Mas para
Havel Kopecky, o mentor, nada é mais importante do que ensinar-lhes filosofia
desde cedo.
"- Parece-me uma grande felicidade
que, quando se olhe para o mundo, pareça sempre que é a primeira vez que o
fazemos."
O romance é repleto de personagens
interessantíssimas, muito bem delineadas: o pai de Sors, um mordomo que não
entende metáforas e abomina armas, o coronel sensível que enfeita os próprios
cabelos com flores, a menina Frantiska, por quem Sors nutre um amor platónico,
que é sua vizinha e que concebe estranhas teorias, enquanto sente que a
empurram no baloiço; e o próprio Jozef, que também vive num mundo de teorias, como a do "problema da
dispersão e a lei de Andronikos relativa à árvore de Dioscórides".
O que é ainda mais interessante é
descobrirmos que toda esta história tem como pano de fundo, um episódio real na
vida dos avós do autor, que realmente esconderam um pintor judeu, que fugia dos
nazis, debaixo de seu lava-loiças. É a partir desse episódio, do ato de coragem
de seus avós, que Afonso Cruz, que pouco sabia sobre o pintor eslovaco, começa
a desenhar e a pintar a vida de Sors.
O livro é um exercício delicioso de
imaginação, repleto de metáforas, conceitos e certezas inabaláveis. É um livro
poético, cheio de humor, onde o autor deixa claro o quanto acredita no verdadeiro
poder transformador da literatura.
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