quarta-feira, 24 de abril de 2024

Leituras Censuradas até hoje!

São as leituras censuradas até ao dia 24 de abril de 1974 que os nossos alunos recolheram e agora surgem no podcast «Leituras Censuradas». Este é um podcast da Biblioteca do Agrupamento de Escolas do Fundão que, até hoje, reúne 8 notícias censuradas pela PIDE, em 1966. Este é um trabalho realizado pelos alunos e coordenado pela professora Andreia Sousa, no âmbito da Educação para a Cidadania, que podem ouvir aqui:

 

Ressurgiremos, Sophia de Mello Breyner Andresen


RESSURGIREMOS

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos

E em Delphos centro do mundo

Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta


Ressurgiremos ali onde as palavras

São o nome das coisas

E onde são claros e vivos contornos

Na aguda luz de Creta


Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo

São o reino do homem

Ressurgiremos para olhar para a terra de frente

Na luz limpa de Creta


Pois convém tornar claro o coração do homem

E erguer a negra exatidão da cruz

Na luz branca de Creta.


Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto, 1962

Urgentemente, Eugénio de Andrade


URGENTEMENTE

É urgente o amor

É urgente um barco no mar


É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos, muitas espadas.


É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.


Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.


Eugénio de Andrade, As Palavras Interditas, 1951

EB1 de Valverde: 50 de anos de Abril

Também os alunos da EB1 de Valverde participaram nas comemorações dos 50 anos da Revolução de Abril. A leitura de poemas foi recolhida pela professora Ana Baptista, responsável pela Biblioteca Escolar daquela Escola. Ficamos sensibilizados a ouvir as vozes dos mais pequenos a "cantarem" Abril, já disponíveis no Spotify daquela Biblioteca.

Data, Sophia de Mello Breyner Andresen


 Data

Tempo de solidão e de incerteza

Tempo de medo e tempo de traição

Tempo de injustiça e de vileza

Tempo de negação


Tempo de covardia e tempo de ira

Tempo de mascarada e de mentira

Tempo de escravidão


Tempo dos coniventes sem cadastro

Tempo de silêncio e de mordaça

Tempo onde o sangue não tem rasto

Tempo da ameaça


Sophia de Mello Breyner Andresen, LIVRO SEXTO, 1.ª ed., 1962

Ode à Paz, Natália Correia

 

Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,

Pelas aves que voam no olhar de uma criança,

Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,

Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,


Pela branda melodia do rumor dos regatos,


Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,

Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,

Pela exatidão das rosas, pela Sabedoria,

Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,

Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,

Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,

Pelos aromas maduros de suaves outonos,

Pela futura manhã dos grandes transparentes,

Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,

Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas

Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,

Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,

Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.

Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,

Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,

Abre as portas da História,

deixa passar a Vida!


Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"

terça-feira, 23 de abril de 2024

Feliz Dia do Livro com o TAS 22

Ler abre horizontes, apresenta-nos outros pontos de vista, ensina-nos e também nos orienta enquanto cidadãos. 

Nesta ótica, os alunos e alunas do TAS 22 (Curso Profissional Técnico Auxiliar de Saúde) estão a ler Misericórdia, de Lídia Jorge, um livro que tem merecido um grande destaque por parte dos críticos literários (e não só) e que ganhou os prémios: Prémio Fernando Namora; Grande Prémio de Romance e Novela/2022 da Associação Portuguesa de Escritores (APE), Prémio Literário Urbano Tavares RodriguesPrémio PEN Clube Português, Prémio Eduardo LourençoPrémio Médicis Étranger, em França, Melhor Livro Lusófono publicado em Françaatribuído pela redação da revista literária Transfuge, prometendo arrecadar mais prémios, visto estar entre os finalistas nomeados para outros prémios.

O livro foi trabalhado no âmbito da disciplina de HSCG (Higiene, Segurança e Cuidados Gerais), uma forma diferente e inovadora para abordar as temáticas: Cuidados na Saúde do Idoso e Cuidados da Saúde em Fim de Vida. Tem sido uma experiência diferente e as reações dos jovens, à medida que vão lendo, vale bem a escolha efetuada pela docente Gabriela Cruz.



Leiam muito ou pouco, mas leiam! 

Trova do vento que passa, Manuel Alegre

 

Trova do vento que passa


Pergunto ao vento que passa

notícias do meu país

e o vento cala a desgraça

o vento nada me diz.


Pergunto aos rios que levam

tanto sonho à flor das águas

e os rios não me sossegam

levam sonhos deixam mágoas.


Levam sonhos deixam mágoas

ai rios do meu país

minha pátria à flor das águas

para onde vais? Ninguém diz.


Se o verde trevo desfolhas

pede notícias e diz

ao trevo de quatro folhas

que morro por meu país.


Pergunto à gente que passa

por que vai de olhos no chão.

Silêncio -- é tudo o que tem

quem vive na servidão.


Vi florir os verdes ramos

direitos e ao céu voltados.

E a quem gosta de ter amos

vi sempre os ombros curvados.


E o vento não me diz nada


ninguém diz nada de novo.

Vi minha pátria pregada

nos braços em cruz do povo.


Vi minha pátria na margem

dos rios que vão pró mar

como quem ama a viagem

mas tem sempre de ficar.


Vi navios a partir

(minha pátria à flor das águas)

vi minha pátria florir

(verdes folhas verdes mágoas).


Há quem te queira ignorada

e fale pátria em teu nome.

Eu vi-te crucificada

nos braços negros da fome.


E o vento não me diz nada

só o silêncio persiste.

Vi minha pátria parada

à beira de um rio triste.


Ninguém diz nada de novo

se notícias vou pedindo

nas mãos vazias do povo

vi minha pátria florindo.


E a noite cresce por dentro

dos homens do meu país.

Peço notícias ao vento


e o vento nada me diz.


Quatro folhas tem o trevo

liberdade quatro sílabas.

Não sabem ler é verdade

aqueles pra quem eu escrevo.


Mas há sempre uma candeia

dentro da própria desgraça

há sempre alguém que semeia

canções no vento que passa.


Mesmo na noite mais triste

em tempo de servidão

há sempre alguém que resiste

há sempre alguém que diz não.


Manuel Alegre e António Portugal, 1963

Cântico, Miguel Torga


Cântico

Mundo à nossa medida

Redondo como os olhos,

E como eles, também,

A receber de fora

A luz e a sombra, consoante a hora


Mundo apenas pretexto

Doutros mundos.

Base de onde levanta

A inquietação,

Cansada da uniforme rotação

Do dia a dia.

Mundo que a fantasia

Desfigura

A vê-lo cada vez de mais altura.


Mundo do mesmo barro

De que somos feitos.

Carne da nossa carne

Apodrecida.

Mundo que o tempo gasta e arrefece,

Mas o único jardim que se conhece

Onde floresce a vida.


Poesia Completa de Miguel Torga, 2000

Letra para um hino, Manuel Alegre


 Letra para um hino


É possível falar sem um nó na garganta

é possível amar sem que venham proibir

é possível correr sem que seja fugir.

Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.


É possível andar sem olhar para o chão

é possível viver sem que seja de rastos.

Os teus olhos nasceram para olhar os astros

se te apetece dizer não grita comigo: não.


É possível viver de outro modo. É

possível transformares em arma a tua mão.

É possível o amor. É possível o pão.

É possível viver de pé.


Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.

É possível viver sem fingir que se vive.

É possível ser homem.

É possível ser livre livre livre.


Manuel Alegre- em “O Canto e as Armas” (1967)

Com mãos se faz a paz se faz a guerra, Manuel Alegre

 

Com mãos se faz a paz se faz a guerra.

Com mãos tudo se faz e se desfaz.

Com mãos se faz o poema – e são de terra.

Com mãos se faz a guerra – e são a paz.


Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.

Não são de pedras estas casas mas

de mãos. E estão no fruto e na palavra

as mãos que são o canto e são as armas.


E cravam-se no Tempo como farpas

as mãos que vês nas coisas transformadas.

Folhas que vão no vento: verdes harpas.


De mãos é cada flor, cada cidade.

Ninguém pode vencer estas espadas:

nas tuas mãos começa a liberdade.


Manuel Alegre-As mãos in “O Canto e as Armas” (1967)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

25 de Abril, Sophia de Mello Breyner Andresen


 25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava


O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas, 1974

A formiga no carreiro, José Afonso (Zeca Afonso)

 

A formiga no carreiro

Vinha em sentido cantrário

Caiu ao Tejo

Ao pé dum septuagenário

Larpou trepou às tábuas

Que flutuavam nas águas

E de cima duma delas


Virou-se pró formigueiro

Mudem de rumo

Já lá vem outro carreiro


A formiga no carreiro

Vinha em sentido diferente

Caiu à rua

No meio de toda a gente

Buliu buliu abriu as gâmbias

Para trepar às varandas

E de cima duma delas

Virou-se pró formigueiro

Mudem de rumo

Já lá vem outro carreiro


A formiga no carreiro

Andava a roda da vida

Caiu em cima

Duma espinhela caída

Furou furou à brava

Numa cova que ali estava

E de cima duma delas

Virou-se pró formigueiro

Mudem de rumo

Já lá vem outro carreiro


José Afonso (Zeca Afonso), 1973

Abril de sim Abril de não, Manuel Alegre


 ABRIL DE SIM ABRIL DE NÃO


Eu vi Abril por fora e Abril por dentro

vi o Abril que foi e o Abril de agora

eu vi Abril em festa e Abril lamento

Abril como quem ri como quem chora.


Eu vi chorar Abril e Abril partir

vi o Abril de sim e Abril de não

Abril que já não é Abril por vir

e como tudo o mais contradição.


Vi o Abril que ganha e Abril que perde

Abril que foi Abril e o que não foi

eu vi Abril de ser e de não ser.


Abril de Abril vestido (Abril tão verde)

Abril de Abril despido (Abril que dói)

Abril já feito. E ainda por fazer.

 

Manuel Alegre, do livro: "Chegar aqui", 1984, in Atlântico, Publicações Dom Quixote, Portugal, 1989

Leituras Censuradas até hoje!

São as leituras censuradas até ao dia 24 de abril de 1974 que os nossos alunos recolheram e agora surgem no podcast «Leituras Censuradas». E...